O cenário entre os servidores municipais de Boa Vista e o poder público ganhou um novo quadro na tarde desta quarta-feira (2), com a reunião entre os representantes sindicais e Secretários Municipais para discutir o Projeto de Lei Complementar (PLC) 001/2025, que propõe mudanças no Regime Próprio de Previdência Social dos Servidores Municipais (PRESSEM). O encontro, descrito como harmonioso e respeitoso pelos sindicalistas, marcou o início de um diálogo há muito reivindicado, mas também evidenciou as profundas divergências que ainda separam as partes.
Encontro histórico marca início de diálogo
A união de 17 entidades sindicais sob a bandeira da “União dos Servidores Municipais BV” é um fato histórico em Boa Vista, demonstrando uma sinergia entre categorias diversas. Essa mobilização conjunta revela o grau de maturidade das entidades sindicais, que apresentaram críticas técnicas consistentes e propostas concretas, distanciadas de posições ideológicas e políticas. Durante a reunião, o Secretário Municipal de Administração e Gestão de Pessoas, Márcio Vinícius, admitiu a necessidade de compreender melhor o tema, o que reforça a importância do diálogo contínuo com os servidores e seus representantes.
De um lado, a Prefeitura, por meio dos Secretários, afirma que o Prefeito Arthur Henrique reconheceu erros na condução do diálogo e se comprometeu a “conversar” sobre a pauta, priorizando a análise das demandas sindicais. O tom conciliatório, no entanto, contrasta com a realidade apresentada pelos sindicatos, que apontam vícios insanáveis nos projetos, desde a ausência de estudos de impacto social até a utilização de cálculos atuariais defasados. A desconfiança dos servidores não é infundada: a atual gestão tem um histórico de descumprimento de acordos, como ocorreu com o PCCR da saúde, quando o Prefeito Arthur Henrique não honrou o compromisso assumido com a categoria.
Discurso x realidade: é preciso estabelecer a confiança
Em matéria veiculada no site Portal do Fato, o Secretário Municipal de Administração e Gestão de Pessoas, Márcio Vinícius, diz que o encontro foi produtivo e que foi bem recebido pelos sindicatos. Disse ainda que a conversa dará um direcionamento às decisões do Executivo em relação ao que deve ser discutido e os pontos a avançar. Afirmando que a Prefeitura analisará a pauta mas não confirmou de forma concreta o prazo para a devolutiva. Posição que contrasta com a urgência reivindicada pelos trabalhadores, que exigem a imediata retirada do projeto da pauta legislativa como condição para suspender as mobilizações.
Na mesma matéria, o ajuste de 3% nas alíquotas previdenciárias é apresentado pela Prefeitura como medida técnica, mas representa um novo impacto no já combalido salário dos servidores municipais. Dados do IPCA/IBGE revelam que a recomposição salarial de 6,10% concedida pelo prefeito Arthur Henrique apenas se aproxima com a inflação oficial do período de 2024, sem recuperar a defasagem acumulada de anos anteriores. As categorias afirmam que o ideal seria um reajuste mínimo de 9% para compensar algumas perdas, argumentando que a combinação do aumento contributivo com salários defasados configura um duplo prejuízo aos trabalhadores.
Contradições e riscos da reforma proposta
Além disso, a alegação de que o Executivo busca “transparência e eficiência” no PRESSEM é questionada quando se observa a criação de 21 cargos comissionados no PLE 009/2025, a um custo adicional de R$ 1,5 milhão/ano, em detrimento de cargos efetivos que garantiriam autonomia ao regime. A mobilização liderada pela “União dos Servidores Municipais BV”, que reúne 17 entidades, incluindo o SINTRAS-RR, não é mera resistência à mudança, mas uma resposta técnica e organizada. Na ocasião, foi entregue aos Secretários um documento assinado pelos sindicatos com a proposta de um trabalho de construção conjunta do projeto de lei complementar (clique aqui para ler o documento na íntegra).
O documento detalha inconsistências graves, como a discrepância entre os dados oficiais e a realidade dos servidores ativos (que aumentaram de 7.786 em 2021 para 8.917 em 2023, contrariando a justificativa do projeto). Além disso, a falta de acesso a informações cruciais como atas de reuniões do Conselho Municipal de Previdência (CMP) e cálculos atuariais atualizados fere o princípio constitucional da transparência e inviabiliza um debate democrático.
O cerne do conflito, porém, vai além dos números. A proposta do PLC 001/2025, segundo os sindicatos, institucionaliza mecanismos de exclusão como, a possibilidade de “terceirizar” a gestão dos recursos, formação de conselhos previdenciários sem paridade e regras que perpetuam indicações políticas. Tais medidas, somadas à ausência de compensações para categorias vulneráveis (profissionais da saúde, educação e pessoas com deficiência), configuram um risco de aprofundamento das desigualdades.
A crítica aos equívocos no texto legal não é retórica: citam-se no documento, artigos que violam a Lei Federal 9.717/1998 e o Estatuto da Pessoa com Deficiência, evidenciando um descompasso entre a reforma e os marcos legais vigentes.
A Prefeitura, ainda em sua defesa, alega que a reforma é necessária para “organizar e enxugar” o PRESSEM, mas os sindicatos rebatem que a gestão falhou em honrar compromissos passados, como a integralização da provisão matemática (déficit que agora recai sobre os servidores). A falta de homologação de cálculos atuariais anteriores levanta suspeitas de má gestão, enquanto a insistência em usar projeções defasadas (com base em 2023) ignora a inflação e os reajustes meramente reparatórios concedidos no último ano, congelados pela Lei Complementar 173/2020 durante a pandemia.
Diante desse impasse, a proposta dos sindicatos é clara e uníssona: a retirada imediata do Projeto de Lei Complementar n.º 001/2025 da pauta legislativa municipal e a criação de um Grupo de Trabalho (GT) paritário para revisar os cálculos e reformular os dispositivos. No documento entregue pelos sindicatos há também a exigência por um “canal de diálogo permanente”. Essa condição não é um capricho, mas um reconhecimento de que políticas previdenciárias exigem corresponsabilidade e coparticipação. Destaca-se: “não se reforma um regime previdenciário sem ouvir quem o sustenta”.
A encruzilhada: diálogo ou confronto
O momento é crítico. A paralisação pretendida pelo SINTRAS-RR e demais entidades sindicais não é apenas um instrumento de pressão, mas um sintoma da ruptura de confiança entre servidores e Gestão Municipal. A Prefeitura tem a oportunidade de reverter esse cenário, mas isso exigirá mais do que promessas genéricas de “análise”. Exigirá transparência factual, correção de rumos técnicos e, acima de tudo, respeito ao princípio constitucional da participação social. O PRESSEM não é uma planilha a ser ajustada, mas um pacto intergeracional que define o futuro do funcionalismo público.
Se o Prefeito Arthur Henrique optar pelo caminho do diálogo verdadeiro e da negociação transparente, poderá evitar um prolongado conflito que prejudicaria tanto os servidores quanto a população de Boa Vista. Caso contrário, a judicialização e a paralisação das atividades públicas podem se tornar inevitáveis. “A escolha é clara: ou a Prefeitura escuta os servidores e constrói uma reforma com legitimidade, ou assistirá ao fortalecimento de um movimento sindical unificado e determinado a defender seus direitos!”, enfatiza a Presidente do SINTRAS-RR, Maceli Carvalho.
Na expectativa de uma resposta concreta do Executivo Municipal, os sindicatos mantêm a mobilização por paralisações e já se articulam para convocar assembleias sincronizadas em todas as categorias representadas. A pressão sobre a Prefeitura segue firme, com a paralisação como medida legítima até a retirada do PLC 001/2025 da pauta legislativa.
A bola está com o prefeito Arthur Henrique: enquanto o Executivo se diz aberto ao diálogo, os servidores exigem ações concretas. Será esta a vez em que o discurso se traduzirá em mudança efetiva, ou assistiremos a mais um ciclo de desgaste, greve e judicialização? A resposta, como bem lembra o movimento sindical, não pode vir apenas das salas de reunião, mas das ruas e da força popular.
Entidades que participaram da reunião:
SIGMUR Sindicato Intermunicipal dos Guardas Civis Municipais do Estado de Roraima
SINGVIM Sindicato dos Guardas de Vigilância do Município de Boa Vista
SINTRAS Sindicato dos Trabalhadores da Saúde de Roraima
SINDATRAN Sindicato dos Agentes de Trânsito – RR
SINTEAR-RR Sindicato dos Tecnólogos e Técnicos e Auxiliares de Radiologia de Roraima
SINPEM Sindicato dos Profissionais da Educação do Município de Boa Vista
SITRAM Sindicato dos Trabalhadores Municipais de Boa Vista
SINDFIM Sindicato dos Fiscais Municipais
SINDPRER Sindicato dos Profissionais de Enfermagem de Roraima
SINDPROMBV Sindicato dos Professores e das Professoras Municipais de Boa Vista
SINFITO Sindicato dos Fisioterapeutas e Terapeutas Ocupacionais de Roraima
IAFT-BV Instituto dos Auditores Fiscais de Tributos de Boa Vista.
COLETIVO SUAS BV Servidores da Gestão Social
SINDCONAM- RR Sindicato dos Condutores de Ambulância do Estado de Roraima
SINDOR Sindicato dos Odontologistas de Roraima
SINDFIM Sindicato dos Fiscais Municipais.
AFISCOMRR Associação dos Fiscos Municipais de Roraima
Participaram também da reunião a Procuradora Geral do Município, Marcela Medeiros, o Secretário Municipal de Comunicação, Marcelo Moreira e o Secretário da Casa Civil Municipal, Sérgio Pillon.